Personagens
Personagem
principal:
Macunaíma
– Macunaíma é individualista. Faz o que deseja e o que gosta sem preocupações
sociais. É vaidoso, necessita de espectadores e fica satisfeito quando faz o
discurso no Ipiranga “muito ganjento” mesmo. Sente vontade de chorar, mas não
vale a pena, pois está sozinho e não há assistentes. Fisicamente, tem a cabeça
rombuda e cara infantil “carinha enjoativa de piá” e, em pequeno, mostra o
defeito dos subnutridos, nos quais a ossificação é imperfeita, pois tem as
“perninhas em arco”. Mente com a maior naturalidade, vive deitado na rede
“fumando fava de paricá”, para espantar os mosquitos e ter sonhos alegre e
gostosos. Pensa encontrar uma panela com dinheiro enterrado.
Assim é a figura do grande Macunaíma,
“herói de nossa gente”. Herói de uma tribo amazônica, que o autor misturou a
outros também indígenas, e reinventou como personagem picaresca, sem cortar
suas ligações com o mundo lendário.
Personagens
secundários:
Maanape
– mano de Macunaíma que o acompanha na sua
peregrinação em demanda da Muiraquitã. Tinha fama de feiticeiro o que demonstra
em diversas passagens do livro. Por falta de sorte, foi o último a lavar no
poço encantado que "era marca do pezão do Sumé, do tempo em que andava
pregando o evangelho de Jesus pra indaiada brasileira". Quando foi se
lavar também na água do poço encantado "tinha só um bocado lá no fundo
e Maanape conseguiu molhar só a palma dos pés e das mãos. Por isso ficou negro
bem filho da tribo dos Tapanhumas." (Mac. 48) Representa o elemento
negro do complexo racial brasileiro.
Jiguê
– É o outro mano de Macunaíma que o ajudou a reconquistar a muiraquitã perdida.
Vendo que Macunaíma ficara branco, atirou-se também nas águas do poço
encantado: "Nem bem Jiguê percebeu o milagre, se atirou na marca do pezão
do Sumé. Porém a água já estava muito suja da negrura do herói e por mais que
Jiguê esfregasse feito maluco atirando água pra todos os lados, só conseguiu
ficar da cor do bronze novo. Macunaíma teve dó e consolou: "– Olhe,
mano Jiguê, branco você ficou não, porém pretume foi-se e antes fanhoso que sem
nariz" . Representa o elemento indígena da nossa formação racial.
Sofará
– cunhada de Macunaíma, “companheira de Jiguê” com quem Macunaíma “brincou”
diversas vezes, transformando-se em príncipe.
Iriqui
– segunda mulher de Jiguê: com quem
Macunaíma também “brincou” muitas vezes. Depois foi dada a Macunaíma, de
presente, porque Jiguê achou que não valia a pena brigar por causa de uma
mulher.
Ci
– foi o grande amor de Macunaíma. Ao
toma-la como companheira, passou a ser imperador do Mato Virgem, sendo
acompanhado de um séquito de papagaios e araras. Com o herói teve um filho que
morreu. Ela também morreu, transformando-se na “Beta do Centauro”, onde vive
“liberta das formigas, toda enfeitada de luz”, foi ela quem deu a Muiraquitã a Macunaíma.
“Ci” quer dizer “mãe” _ mãe do mato.
Capei
– era a cobra boiúna (cobra grande) que
Macunaíma, dando uma de herói, matou para salvar Naipa, amada de Titçatê. A
cabeça, cortada pelo herói, tornou-se lua _ “Boiúna-Luna”: “Dantas Capei foi a
Boiúna, mas agora é a cabeça da lua lá no campo vasto do céu.
Piaimã
– é o gigante comedor de gente, Venceslau Pietro Pietra, que roubara a
Muiraquitã de Macunaíma. De posse deste famoso amuleto vai constituir-se na
principal oposição da reconquista pelo herói. Macunaíma quase foi comido pelo
gigante, mas graça a formiga Cambgique e ao Carrapato Zlezlegue, é salvo.
Depois, para se vingar, dá uma tremenda surra no gigante através da macumba de
Exu. No final, o herói o mata e readquire seu talismã. O gigante Piaimã é uma
das poucas personagens do livro que não vira estrela. Talvez por representar a
maldade e a oposição na conquista da Mairaquitã.
Vei
- é o sol ou, como que Mario de Andrade, a sol, que tem duas filhas e quer o
herói para genro. Porem Macunaíma é mesmo impossível e não dá certo.
Pauí-Pódole
– é o pai do mutum, origem da ave mutum, cracídeo. Torna-se depois no Cruzeiro
do Sul que é para os índios um enorme mutum “no campo vasto do céu”. Por causa
dele Macunaíma armou o maio rolo co “o maior mulato da mulataria do Brasil”.
Ceiuci
– velha gulosa, mulher do gigante Piaimã, que também comia gente. Uma vez tarrafeou
o herói e só não o comeu porque a filha dela o salvou. É também a caapora,
duende maligno e malvado.
Oibê
– é um “minhocão, variante da cobra-grande
amazônica”, que dá uma tremenda canseira no herói porque este lhe comera a
pacuera (fressura de animal).
ESPAÇO
As estripulias sucessivas de Macunaíma
são vividas num espaço mágico, próprio da atmosfera fantástica e maravilhosa em
que se desenvolve a narrativa. Macunaíma se aproxima da epopeia medieval, pois
tem em comum com aqueles heróis a sobre-humanidade. Está fora do espaço e do
tempo. Por esse motivo pode realizar aquelas fugas espetaculares e assombrosas
em que, da capital de São Paulo foge para a ponta do calabouço, no Rio de
Janeiro, e logo está em Guarajá-Mirim nas fronteiras de Mato Grosso e Amazonas
para, em seguida chupara manga_jasmim em Itamaracá de Pernambuco, tomar leite
de vaca zebu em Barbacena, Minas Gerais, decifrar litóglifos na Serra do
Espírito Santo e finalmente se esconder no oco de um formigueiro, na Ilha do
Bananal, em Goiás.
TEMPO
Macunaíma é um personagem enquanto
marginal, anti-herói, fora da lei, na medida em que se contrapõe a uma
sociedade moderna, organizadora em um sistema racional, frio e tecnológico.
Assim, o tempo é totalmente subvertido na narrativa. O herói do presente entra
com figuras do passado, estabelecendo-se um curioso “dialogo com os mortos”.
Macunaíma fala com João Ramalho (séc. XVI), com os holandeses (séc.XVII), com
Hercules Florence (séc.XIX) e com Delmindo Gouveia, pioneiro da usina
hidrelétrica de Paulo Afonso de industrial nordestino que criou a primeira
fábrica nacional de linhas de costura.
FOCO
NARRATIVO
Embora predomine o foco da 3º pessoa,
Mario de Andrade inova utilizando a técnica cinematográfica de cortes bruscos
no discurso do narrador, interrompendo-o para dar vez à fala dos personagens,
principalmente Macunaíma. Esta técnica imprime velocidade, simultaneidade e
continuidade à narrativa. Exemplo:
“La
chegado ajuntou os vizinhos, criados a patroa cunhas datilógrafos estudantes
empregados-públicos, muitos empregados-publicos! Todos esses vizinhos e contou
para eles que tinha ido caçar na feira do Arouche e matara dois...”.
_
“... mateiros, não eram veados mateiros, não dois veados cotingueiros que comi
com os manos. Ate vinha trazendo um naco pra voves, mas porem escorreguei na
esquina, cai derrubei o embrulho e o cachorro comeu tudo.” (Cap. XI_ A velha
Ceiuci).
A escritura de Macunaíma apoia-se no
pensamento selvagem, na ideia de que tudo vira tudo, e na capacidade de compor
e recompor configurações a partir de conteúdos dispares esvaziados de suas
primitivas funções. Daí a técnica caleidoscópica, em que as ideias e as imagens
protejam-se arbitrariamente, inclusive nos modos de contar.
ESCOLA
LITERÁRIA
Pertence a primeira fase do modernismo,
destacando-se a vertente antropofagia, a exemplo dos rituais antropofágicos dos
índios brasileiros.
LINGUAGEM
Publicado em 1928, numa tiragem de
apenas oitocentos exemplares (Mário de Andrade não conseguira editor), Macunaíma,
o herói sem nenhum caráter, é uma das obras pilares da cultura brasileira.
Numa narrativa fantástica e picaresca, ou, melhor dizendo, “malandra”, herdeira
direta das Memórias de um Sargento de Milícias (1852) de Manuel Antônio
de Almeida, Mário de Andrade reelabora literariamente temas de mitologia
indígena e visões folclóricas da Amazônia e do resto do país, fundando uma nova
linguagem literária, saborosamente brasileira.
Macunaíma - bem como Memórias Sentimentais de João Miramar (1924)
e Serafim Ponte Grande (1933), de Oswald de Andrade - foram obras
revolucionárias na medida em que desafiaram o sistema cultural vigente,
propondo, através de uma nova organização da linguagem literária, o lançamento
de outras informações culturais, diferentes em tudo das posições mantidas por
uma sociedade dominada até então pelo reacionarismo e o atraso cultural
generalizado.
Nacionalista crítico, sem xenofobia, Macunaíma é a obra que melhor
concretiza as propostas do movimento da Antropofagia (1928), criado por
Oswald de Andrade, que buscava uma relação de igualdade real da cultura
brasileira com as demais. Não a rejeição pura e simples do que vem de fora, mas
consumir aquilo que há de bom na arte estrangeira. Não evitá-la, mas, como um
antropófago, comer o que mereça ser comido.
O tom bem humorado e a inventividade narrativa e linguística fazem de Macunaíma
uma das obras modernistas brasileiras mais afinadas com a literatura de
vanguarda no mundo, na sua época. Nesse romance encontram-se dadaísmo,
futurismo, expressionismo e surrealismo aplicados a um vasto conhecimento das
raízes da cultura brasileira.
HISTÓRIA
Este romance é escrito depois da Semana de Arte Moderna e
está dentro da história da Literatura Brasileira na 1ª geração modernista que
caracteriza com a preocupação da ruptura, rejeição da herança do passado.
Na mitologia indígena, tudo se transforma em alguma coisa,
pois a morte não é encarada com o desaparecimento total. Já o modernismo
pregava a modernidade, a liberdade de expressão, contestação do passado, pois o
passado é apenas uma simples imitação do que lhes foram impostas. Há também o
aparecimento da antropofagia através do personagem, Piamã, comedor de gente.
Macunaíma é um romance nacionalista. Neste livro, a
ausência de vírgulas e pontuação, é uma influência das vanguardas europeias,
causando efeito melódico e era o que pretendiam alcançar.
Mário de Andrade tentou explorar na Literatura uma ideia
obsessiva, de modo que a superposição de 2 signos formaria outro signo
(música).
Nesta obra, apresenta o aspecto, do princípio que é o
indianismo "Herói de nossa gente", semelhança com José de Alencar em
Iracema.
O autor deixou indefinido o espaço e o tempo em que se
passa a ação. A literatura moderna queria a origem popular e o apego às lendas
não só com palavras, mas também com o modo de expressar: "No fundo do
Mato- Virgem", expressão "fundo" designa fazenda, que é uma
nomenclatura de onde ainda não penetrou a civilização, estando sem contato com a
raça invasora.
O nome Macunaíma, que significa o grande mal, coisa ruim,
já é o primeiro dado da sátira, de crítica, mas por outro lado tem "Herói
de nossa gente", com tom profético ironizando, pois Cristo é o salvador.
Isso aparece como uma visão de um herói pícaro ou de um herói às avessas, pois
a caracterização dos heróis em outras obras são lindos, belos e perfeitos e já
em Macunaíma, os seus defeitos estão mais exaltados, ou seja, mais evidentes do
que as suas qualidades.
A cor preta é insólita, ou seja, não é comum, devido ao
fato de Macunaíma não ser um índio comum. Quando Mário de Andrade retrata
Macunaíma sendo de cor preta, ele conta a história brasileira, devido à fuga
dos escravos que se misturaram com os índios, resultando no índio negro.
A única lógica de Macunaíma é não ter
lógica nenhuma.
No nascimento de Macunaíma, a natureza foi narrada como se
tudo tivesse parado para ver o menino nascer. Encontramos também neste episódio
o verbo Parir, sendo que este verbo é utilizado para animais irracionais. Neste
ponto, Mário de Andrade está usando o eufemismo, ou seja, a linguagem que
parece querer acentuar ainda mais a feiura do personagem.
Macunaíma é um hipodigma (tipo ideal) do homem da América
Latina, preguiçoso... Mário de Andrade procura colocar em primeiro plano os
defeitos do personagem "Ai que preguiça!".
A leitura de Macunaíma é a visão da luta do colonizador e o
colonizado. O índio é o colonizado e o colonizador é o antagonista. A mensagem
deste livro faz referência a nossa cultura, que se afastou da sua origem, e com
isso, o modernista aparece para tentar conscientizar as pessoas para voltar às
origens e o amor a terra, sendo assim, Macunaíma é uma lenda amazônica.
Será feita, a seguir, a
explanação de alguns capítulos do livro para que possamos dar uma ideia geral
de alguns acontecimentos que foram destacados dentro da obra.
Enredo
Capítulo I –
Macunaíma
Macunaíma, “herói de nossa gente” nasceu à
margem do Uraricoera, em plena floresta amazônica. Descendia da tribo dos
Tapanhumas e, desde a primeira infância, revelava-se como um sujeito
“preguiçoso”. Ainda menino, busca prazeres amorosos com Sofará, mulher de seu
irmão Jiguê, que só lhe havia dado pra comer as tripas de uma anta, caçada
por Macunaíma numa armadilha esperta. Nas várias transas (“brincadeiras”) com
Sofará, Macunaíma transforma-se num príncipe lindo, iniciando um processo
constante de metamorfoses que irão ocorrer ao longo da narrativa: índio
negro, vira branco, inseto, peixe e até mesmo um pato, dependendo das circunstâncias.
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Capítulo II -
Maioridade
De tanto aprontar, foi abandonado pela mãe
no meio do mato. Tremelicando, com as perninhas em arco, Macunaíma botou o pé
na estrada até que topou com o Curupira e perguntou-lhe como faria para
voltar pra casa. Maliciosamente, o Curupira ensina-lhe um caminho errado que
Macunaíma, por preguiça, não seguiu. Escapando do monstro, o herói topou com
uma voz que cantava uma toada lenta: era a cotia, que depois de ouvir o piá
contar como enganara o Curupira, jogou-lhe em cima calda envenenada de
mandioca. Isto fez Macunaíma crescer, atingindo o “tamanho dum homem taludo”.
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Capítulo III –
Ci, Mãe do Mato
Encontra Ci, a Mãe do Mato e inventa com ela lindas e novas maneiras de gozos
de amor. O resultado desse idílio é o nascimento de um curumi, que morreu
prematuramente depois de mamar no único peito de Ci, envenenado pela Cobra
Preta. Enterrado o filho, Ci também resolveu deixar este mundo. Deu ao herói
sua muiraquitã famosa e subiu pro céu por um cipó, transformando-se numa
estrela.
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Capitulo IV –
Boiúna Luna
Tomado de tristeza, Macunaíma despediu-se das Icamiabas e partiu rumo às
matas misteriosas. No caminho, encontra Capei, monstro fantástico que abre a
goela e solta uma nuvem de marimbondos. Nas lutas contra o monstro, Macunaíma
perde seu talismã e fica sabendo, através de um uirapuru, que a tartaruga que
engolira sua pedra tinha sido apanhada por um mariscador. Este vendera a
muiraquitã a um rico fazendeiro chamado Venceslau Pietro Pietra, proprietário
de uma mansão na rua Maranhão, em São Paulo. Macunaíma resolve, então, vir
para a capital paulista recuperar sua muiraquitã.
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Capítulo V -
Piaimã
O herói junta seus irmãos e desce o Araguaia, com sua esquadra de igarités
cheias de cacau. Em São Paulo, fica sabendo que Venceslau Pietro Pietra era o
gigante Piaimã, comedor de gente, companheiro de uma caapora velha chamada
Ceiuci, também antropófaga e muito gulosa. Esse capítulo apresenta uma das
passagens mais saborosas do romance: a chegada de Macunaíma e seus irmãos à
cidade de São Paulo. Nesse momento, Mário de Andrade inverte os relatos
quinhentistas da Literatura Informativa. Aqui é o índio que se depara com a
dita “civilização” e procura assimilá-la, digerindo-a com suas próprias
enzimas culturais.
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Capítulo VI – A
francesa e o gigante
Depois de uma tentativa de aproximação frustrada, Macunaíma resolve se vestir
de francesa para conquistar Venceslau Pietro Pietra e reconquistar sua
muiraquitã. O regatão não emprestou a pedra nem quis vendê-la. Mas deixou
claro que poderia dá-la se a francesa resolvesse “brincar” com ele… Muito
inquieto, Macunaíma foge, percorrendo, em louca correria, grande parte do
território brasileiro.
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Capítulo VII -
Macumba
Como não tivesse força suficiente pra matar o gigante, Macunaíma vem para o
Rio de Janeiro procurar o terreiro de macumba da tia Ciata. Pediu à
macumbeira vários castigos pro gigante Piaimã que, além de receber a chifrada
de um touro selvagem, é ferroado por quarenta mil formigas-de-fogo.
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Capítulo VIII –
Vei, a Sol
É também no Rio de Janeiro que Macunaíma reencontra a Vei, a deusa-sol que
pretendia casar uma de suas três filhas com o herói. Embora tivesse
prometido, Macunaíma não cumpriu a palavra empenhada: logo que anoiteceu,
convidou uma portuguesa e brincou com ela na jangada. Depois foram descansar
num banco da avenida Beira-mar, no Flamengo, quando surgiu Mianiquê-Teibê,
monstro de garras enormes com olhos no lugar dos peitos e duas bocarras nos
pés, de dentes aguçados. Macunaíma saiu correndo pela praia; o monstro comeu
a portuga e desapareceu.
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Capítulo IX –
Carta pras Icamiabas
O herói retorna a São Paulo e, saudoso, resolve escrever uma “carta pras
icamiabas”, relatando como era sua vida em São Paulo. Faz, num satírico
estilo beletrista, uma descrição da agitada vida paulistana, com seus
arranha-céus, ruas “habilmente estreitas” cheias de gente, cinemas, casas de
moda, ônibus, estátuas e jardim. Nesta pernóstica missiva, o corrupto
Imperador faz questão de detalhar para as amazonas a prática constante de
amores pecaminosos, tanto que ele até pensa em tirar proveito da exploração
do lenocínio. Critica o capitalismo selvagem dos paulistas locomotivas e dos
italianos arrivistas, destacando, horrorizado, ao final, uma curiosidade
original deste povo: “falam numa língua e escrevem noutra”. Depois de
abençoar as suas súditas, termina a carta, com a maior desfaçatez, pedindo
mais uma “gaita” pras suas fiéis icamiabas.
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Capítulo X –
Pauí-pódole
A surra que Venceslau Pietro Pietra recebeu de Exu foi tão violenta que ele
ficou meses numa rede, travado pelos suplícios a que foi submetido. Sem poder
readquirir a muiraquitã, Macunaíma ocupou-se então do complicado estudo das
duas línguas da terra, “o brasileiro falado e o português escrito”.
Interrompe um mulato pedante que fazia um verborrágico discurso sobre o
Cruzeiro do Sul, falando que aquelas quatro estrelas que brilham no vasto campo
do céu são, na verdade, o Pai do Mutum, figura zoocosmológica que teve seu
corpo de ave metamorfoseado numa constelação.
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Capítulo XI – A
velha Ceiuci
Depois de ter passado a noite brincando com a patroa da pensão, Macunaíma
falou pros seus irmãos Maanape e Jiguê que tinha achado “rasto fresco de
tapir”, em pleno asfalto paulistano, junto à Bolsa de Mercadorias. Induziu
seus irmãos a caçarem o animal e estes quase acabam sendo linchados pela
multidão que se aglomerou pra assistir à caçada. Um estudante subiu na capota
de um automóvel e discursou contra Maanape e Jiguê. Foi interrompido por
Macunaíma que, tomado por um efêmero acesso de fraternidade, resolveu
defender os irmãos entrando no meio da multidão e distribuindo rasteiras e
cabeçadas até ser preso por um “grilo”, soldado da antiga guarda-civil de São
Paulo. No meio da confusão, o herói conseguiu fugir e foi ver como passava o
gigante Venceslau Pietro Pietra, ainda “convalescendo da sova apanhada na
macumba”. Faz uma aposta com o curumi Chuvisco pra ver quem conseguia
assustar o gigante e sua família. Perde a aposta e resolve fazer uma
pescaria. Como não tivesse anzol, o herói se transforma numa “piranha feroz”
pra cortar a linha de um inglês que pescava a seu lado. Acontece que a velha
feiticeira Ceiuci, mulher do gigante, também costumava pescar no igarapé
Tietê e prende o herói. Ao ser pescado pela tarrafa da feiticeira, Macunaíma
vira um pato que devia ser logo comido. Além de brincar com a filha mais moça
de Ceiuci, ludibria-a e foge, montado “num cavalo castanho-pedrez que pra
carreira Deus o fez”. É uma fuga espetacularmente surrealista: num momento
está em Manaus e noutro em Mendoza, na Argentina.
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Capítulo XII –
Tequeteque, chupinzão e a injustiça dos homens
Desesperado porque ainda não conseguira reaver a muiraquitã, Macunaíma se
disfarça de pianista e tenta, junto ao governo, uma bolsa de estudos na
Europa, para onde Venceslau Pietro Pietra havia viajado. Não conseguindo a
bolsa, sai a viajar com os manos pelo Brasil pra ver se acha “alguma panela
com dinheiro enterrado”. Nestas andanças, encontra um macaco comendo coquinho
baguaçu. Como estava com fome, o herói pergunta ao macaco o que estava
comendo e ouve a seguinte resposta cínica: “-- Estou quebrando os meus
toaliquiçus pra comer.” Macunaíma resolveu imitá-lo, agarrou um
“paralelepípedo e juque! nos toaliquiçus. Caiu morto.” Só conseguiu
ressuscitar graças à feitiçaria de Maanape, que colocou no lugar do órgão
destruído dois cocos-da-baía. Depois “assoprou fumaça de cachimbo no defunto-herói”
e este reanimou-se, tomando guaraná e uma dose de pinga.
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Capítulo XIII – A
piolhenta de Jiguê
Jiguê resolveu se amulherar com Suzi, cunhatã muito velhaca que passava todo
o tempo namorando Macunaíma. Jiguê descobre, fica furioso, dá uma baita surra
no herói e expulsa Suzi com uma porretada. Levada por seus piolhos, Suzi vai
“pro céu virada na estrela que pula”.
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Capítulo XIV -
Muiraquitã
Maanape comunica ao herói a volta de Venceslau Pietro Pietra. Macunaíma
enche-se de coragem e decide matar o gigante. Come cobra e, com muita
esperteza, coloca Piaimã balançando num cipó de japecanga, embala-o com força
e o gigante acaba caindo dentro de um buraco onde Ceiuci, a velha caapora,
preparava uma imensa macarronada. O gigante cai na água fervente e o cheiro
de seu couro cozido, além de matar todos os ticoticos da cidade, provoca o
desmaio de Macunaíma. Quando se recupera, o herói apanha a muiraquitã e volta
pra pensão.
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Capítulo XV – A
pacuera de Oibê
Morto Piaimã e reconquistada sua muiraquitã, Macunaíma, Maanape e Jiguê são
novamente índios e resolvem voltar para o distante Uraricoera. O herói levava
no peito “uma satisfação imensa”, mas não deixa de ter saudade de São Paulo.
Tanto que levava consigo todas as coisas que mais o haviam entusiasmado na
“civilização paulista”: um casal de legornes, um revólver Smith-Wesson e um
relógio Patek. Um bando de aves forma uma grande tenda de asas coloridas que
protegem o Imperador do Mato-Virgem. Nesta viagem de volta feliz, o herói
teve novas aventuras amorosas, lembrando-se com saudade da vida dissoluta que
levara em São Paulo: encontra-se com Iriqui (antiga companheira de Jiguê) e
com uma linda princesa que tinha sido transformada num pé de carambola. Com
sua muiraquitã, o herói faz uma mandinga e o caramboleiro vira “uma princesa
muito chique”, com quem tem vontade de brincar, mas não pode, pois são
perseguidos pelo Minhocão Oibê. Graças a uma nova mandinga, o herói
transforma Oibê num cachorro-do-mato, de rabo cabeludo e goela escancarada.
Como Macunaíma agora só queria brincar com a princesa, Iriqui fica
tristíssima e sobe “pro céu, chorando luz, virada numa estrela”.
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Capítulo XVI -
Uraricoera
Finalmente, chega ao Uraricoera natal e, ao passar por um lugar chamado Pai
da Tocandeira, reconhece suas raízes e chora: a maloca da tribo era agora uma
tapera arruinada. Uma sombra leprosa devora seus irmãos e a princesa, e o
herói fica “defunto sem choro, no abandono completo”, empaludado e sem forças
para construir uma oca. Ata sua rede em dois cajueiros no alto da barranca
junto do rio e assim passa seus dias “caceteado e comendo cajus”. Todas as
aves também o abandonam, ficando somente um papagaio pra quem o herói conta
todos os casos que lhe tinham acontecido. Graças a este papagaio é que se
salvou do esquecimento a história do herói, parido por uma índia tapanhumas.
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Capítulo XVII –
Ursa maior
Num dia de janeiro de muito calor, o herói acorda sentindo umas “cosquinhas”,
que até lhe parecem feitas “por mãos de moça”. Era a última vingança de Vei,
a Sol, tramando para liquidá-lo de vez. Macunaíma lembra-se de que há muito
não brincava e vai tomar banho num lagoão, pensando que a água fria viria
amortecer seus desejos de amor. O herói, encaminhando-se para a água, enxerga
lá no fundo “uma cunhã lindíssima”, ora branca de cabelos louros, ora morena
de cabelos negros, que começa a tentá-lo com danças e meneios. Macunaíma
hesita, temeroso, mas acaba mergulhando na lagoa, desvairado pelos encantos
irresistíveis da uiara. Esta o mutila, devorando-lhe uma perna, os brincos,
os cocos-da-baía, as orelhas, os dedões, o nariz e os beiços. Desaparece
também com sua muiraquitã: o herói pula e dá “um grito que encurtou o tamanho
do dia”. Tem ainda força para lançar plantas venenosas no lagoão, matando
peixes, piranhas e botos que lá estavam. No afã de recuperar seus tesouros,
Macunaíma abre-lhe as barrigas e o que encontra reprega no corpo mutilado,
com sapé e cola de peixe. Não consegue, todavia, reconquistar a perna nem a
muiraquitã, “engolidas pelo monstro Ururau”. E assim tudo se acaba.
Macunaíma, mutilado, vai bater na casa do Pai Mutum, que, com dó dele, faz
uma feitiçaria e transforma-o na constelação da Ursa Maior. “Ia pro céu viver
com a marvada. Ia ser o brilho bonito mas inútil porém de mais uma constelação.”
Neste balanço que Macunaíma faz de sua existência, ele dialoga com sua
consciência e deixa sua mensagem para a posteridade: “Não vim no mundo para
ser pedra”. A pedra simboliza disciplina rígida, método, lapidação de
caráter, traços que Macunaíma, a própria encarnação da esperteza e da
improvisação, nunca quis assumir.
Biografia
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Andrade, Mário de, 1893-1945 Editora
VILLA ROCA EDITORAS REUNIDAS LTDA.
http://di.romanhol.vilabol.uol.com.br/macunaima.htm